por Dilso J. dos Santos.
Ouvindo atentamente “O meu guri”, de Chico
Buarque de Holanda, me peguei incorporando o tal “quê” feminino sentido pelo
“eu” lírico do compositor. Ato que não é raro, ainda mais quando damos uma
‘chance’ aos textos do Chico ‘véio’. Chance, Dilso? Ora chance!
Explico:
Enriquecido pela voz rouca e no lugar certo de
fala, outro dia ouvi este “guri” cantado pela nossa Elza Soares. A música trata
de uma mulher pobre e periférica que, numa ignorância beirando ao poético, vê
em seu filho um trabalhador, quando roubava; um menino generoso, por lhe dar
correntinhas de ouro de presente; e um “homem que chegou lá”, ao vê-lo num
matagal deitado e com uma tarja preta nos olhos, vide foto estampada nas
páginas de algum jornal. “Ele me disse que chegava lá/ Olha aí/ Olha aí/ Olha
aí o meu guri/ Olha aí/ Olha aí, é o meu guri...”.
Texto emocionante e que merece, sim, uma pequena
vida de nossos pensamentos. A mãe do guri é notoriamente a representação de
muitas mulheres que, sozinhas, precisam criar seus filhos e suas filhas, sendo
que antes elas mesmas não foram “bem recebidas” neste mundo injusto, perverso e
preconceituoso. E saiba você, leitor, que este círculo social de exclusão é
alimentado por nós mesmos quando desprezamos a educação pública e quando
votamos em candidatos que desprezam os projetos e as lutas sociais. Somos
culpados? Sim.
Desenhado pelo ritmo lento do samba (música
popular para embalar um problema igual e infelizmente de todos), Chico nos pega
pelas orelhas e nos faz ouvir as vozes e rangeres de dentes dos muitos
silêncios que preferimos não escutar. Mas precisamos sentir – nem que seja
através da música – as almas dessas pessoas ‘invisíveis’ e que andam pelas
periferias da vida... Percebem a chance que me dei?
Já tens meu ponto de vista, agora desafio você a
ouvir “O meu guri” e não chorar. E o provoco a pensar ao mesmo tempo em que se
entrega à canção, à letra, à história, à dor, à vida, ao mundo, ao alterismo, à
mãe que canta, à sociedade que devora seus filhos e à sensibilidade do Chicão.
Mas é hora do almoço, preciso ir. Mesmo estando
cheio de ruminações provocadas pelos ecos que precisei revisitar ao escrever
este texto.
Acho que deu. Expliquei o que pude.
Enfim, ótimo almoço para quem tem o que comer...
Dilso J. dos Santos
Poeta
e cronista nas horas vagas. Professor. Nascido e residente em Vera Cruz, Rio
Grande do Sul. Graduado e Mestre em Letras. Publica crônicas em vários jornais,
hoje, no Riovale Jornal. Publicou "Desassossegados" e teve
paricipações em outros livros. Vencedor do Prêmio "Cem anos de morte de
Machado de Assis e nascimento de Cyro Martins e Guimarães Rosa.
Agradecemos ao Dilso pela colaboração. Seja sempre bem-vindo!
ResponderExcluirObrigado! 💚
ExcluirGostei muito !
ResponderExcluirQue maravilha de texto, amigo Dilso! Estou muito regozijante por te encontrar por aqui, casa das amigas comuns Cissa e Isabel. Abraços a todos.
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